Sentença de Deportação de Cesare Battisti
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PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL
Processo N° 0054466-75.2011.4.01.3400 – 20ª VARA FEDERAL
Nº de registro e-CVD 00108.2015.00203400.1.00224/00128
SENTENÇA/2015 – TIPO A
PROCESSO : 54466-75.2011.4.01.3400
CLASSE 7100 : AÇÃO CIVIL PÚBLICA
AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉ : UNIÃO FEDERAL
SENTENÇA
Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em face da
União Federal e, como litisconsorte passivo, CESARI BATTISTI, objetivando seja declarada a
nulidade do ato de concessão do visto de permanência deste no Brasil, bem como seja
determinado à União que implemente o procedimento de deportação aplicável ao caso.
Aduz, em suma, que Cesare Battisti foi condenado pela justiça italiana à prisão
perpétua, em razão de crimes cometidos quando integrava o PAC – Proletariados Armados pelo
Comunismo. Tornara-se foragido, tendo sido preso na França em 1991. Em 2004, fugiu para o
Brasil. Em 2007 foi preso na cidade do Rio de Janeiro, sendo posteriormente transferido para
Brasília. A embaixada italiana solicitou perante o Itamaraty a sua prisão preventiva para fins de
extradição.
Afirma que o Brasil e a Itália firmaram o Tratado de Extradição em 17/10/89, que foi
internalizado no ordenamento jurídico brasileiro com a promulgação do Decreto nº 863/93, e em
cumprimento ao art. 13 do tratado e art. 82 da lei 6.815/1980 (Estatuto do Estrangeiro) o então
Ministro da Justiça encaminhou o documento relativo ao processo de extradição ao Supremo
Tribunal Federal, que emitiu ordem de prisão, cumprida pela Polícia Federal em março/2007. Após
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a prisão, foi denunciado por uso de passaporte falso, o que resultou na ação penal nº
2007.51.01.804297-5, em trâmite perante a 2ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Rio
de Janeiro.
Diz que o STF entendeu que os delitos cometidos pelo estrangeiro não se
caracterizam como crimes políticos, competindo-lhe somente examinar a legalidade e a
procedência do pedido, e ao Presidente da República, em ato político, decidir pela execução ou
não da extradição, observados os termos e os limites do Tratado. Assim, o então Presidente da
República, Luís Inácio Lula da Silva, no último dia do seu governo, em 31/12/2010, negou a
extradição de Cesare Battisti ao Estado italiano, o que implicou em sua permanência no Brasil,
fazendo-se necessária por parte da União, uma desesperada tentativa de regularização jurídica
da estada do estrangeiro no País, pois do ponto de vista migratório, o estrangeiro não possuía
status de refugiado, não foi extraditado pelo Presidente da República e, ainda, reponde por crime
de falso no Brasil.
Diz que em face dessa circunstância, Cesare Battisti pleiteou perante o Conselho
Nacional de Imigração, órgão vinculado do Ministério do Trabalho em Emprego, documento que
atestasse a legalidade de sua permanência no Brasil, o que, com base em parecer da AGU,
culminou na concessão de autorização de permanência.
Assevera a ilegalidade deste ato do Conselho Nacional de Imigração, que
contrariou norma de observância obrigatória, qual seja, a lei 6.815/80, que estipula em seu art. 7º,
que não se concederá visto a estrangeiro condenado ou processado em outro país por crime
doloso (o que foi expressamente reconhecido pelo STF), passível de extradição segundo a lei
brasileira.
Destaca que não pretende com a presente lide analisar o mérito da decisão do
Chefe do Poder Executivo, porém, é certo que esta não tem o condão de alterar a natureza
jurídica dos crimes praticados pelo referido estrangeiro para “não extraditáveis”, visto que esta
competência é exclusiva do STF, que declarou que os crimes praticados são sujeitos à extradição,
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e que, desse modo, sendo os crimes dolosos e sujeitos a extradição segundo a lei brasileira, não
há que se concedido visto de estrangeiro a Cesare Battisti, porém, o Conselho Nacional de
Imigração, alegando a genuinidade do caso, ignorou o disposto no art. 7º, inc. IV, da lei 6.815/80 e
concedeu autorização de permanência definitiva no Brasil ao italiano, decisão esta que padece de
vício de legalidade, mostrando-se nula desde a sua origem.
O autor menciona o instituto da deportação e destaca que este se amolda
perfeitamente à situação, vez que a sua permanência no país é ilegal e sem possibilidade de
regularização em razão de sua condenação por crimes dolosos passíveis de extradição (art. 7º, IV,
da lei 6.815/80) , além de ter entrado no Brasil de forma irregular.
Afirma a inaplicabilidade do art. 63 da referida lei, que determina que não se
procederá à deportação se implicar em extradição inadmitida pela lei brasileira, pois, in casu, o
STF já firmou o entendimento de que os crimes praticados pelo estrangeiro são comuns e,
portanto, passíveis de extradição pela ordem constitucional brasileira.
Por fim, sustenta que os institutos da deportação e da extradição não se
confundem, ressaltando que não se cogita realizar a entrega de Cesare Battisti ao seu país de
nacionalidade, pois a extradição foi negada pelo Presidente da República, mas a deportação, nos
termos do art. 58 do Estatuto do Estrangeiro, que estabelece que a deportação far-se-á para o
país da nacionalidade ou de procedência do estrangeiro, ou para outro que consinta em recebêlo.
Alega que antes de fugir para o Brasil o referido estrangeiro residiu por longos
anos no México e, por último, na França, países estes que corresponderiam para fins de
deportação, como locais de procedência do estrangeiro.
Inicial instruída com os documentos de fls. 18/90.
Foi determinada a integração de Cesare Battisti à lide (fl. 92, 94v e 95).
Citado, o réu apresentou a contestação de fls. 154/168, arguindo, preliminarmente,
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inépcia da inicial sob o argumento de que a causa de pedir está em desacordo com a norma
processual, dificultando a defesa, e, ainda, descabimento da ação civil pública, que não visa à
proteção de interesse difuso ou coletivo. No mérito, sustenta o não cabimento da deportação, em
face da decisão administrativa definitiva do Presidente da República, e que, ao decidir pela nãoextradição,
o Estado brasileiro assumiu uma contraprestação destinada a prover a consequente
regularização de sua permanência no território. Ao final, requer a improcedência do pedido.
A União apresentou a contestação de fls. 174/225, afirmando que diante da
decisão do Supremo Tribunal Federal o Presidente da República exerceu a discricionariedade que
lhe incumbia legitimamente; a discussão sobre a natureza jurídica do ato que confere a
permanência do estrangeiro no país representa necessariamente em rediscutir o tópico do
julgamento da Excelsa Corte que confere a discricionariedade o Presidente da República.” (fl. 176)
Ressalta, ainda, que a situação é sui generis, e que a concessão da permanência
no Brasil não implicou na concessão de visto ao estrangeiro, uma vez que este é sempre
concedido antes do ingresso no país, e assim, considerando a natureza atípica da situação, o
caso é de permanência do estrangeiro independentemente de visto, o que encontra previsão na
Resolução Normativa 27/1998, art. 1º, § 1º.
Diz que não há que se falar em deportação, porquanto a regra invocada pelo autor
(art. 7º, inciso IV da lei 6.815/90) se aplica em hipóteses de entrada de estrangeiro por ocasião da
concessão do “visto”, o que não é o caso.
Por fim, destaca que a deportação do estrangeiro violaria a decisão política do
Presidente da República que negou a extradição.
Réplica – fls. 237/238v.
Na fase de especificação de provas (fl. 247) o autor e a União nada requereram
(fls. 254 e 256). O litisconsorte Cesare Battisti requereu a produção de prova testemunhal (fls.
250/251), que foi indeferida (fl. 257).
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É o relatório. DECIDO.
Afasto a preliminar de inépcia da petição inicial, tendo em vista que as razões
invocadas pelo litisconsorte são pertinentes ao mérito da demanda.
Também não há que se falar em inadequação da via eleita, tendo em vista que
conforme esclarecido pelo autor “o interesse defendido refere-se à deportação de um estrangeiro
que permanece de forma ilegal no território brasileiro, sendo este um ato ilegal lesivo a toda a
sociedade brasileira” (fl. 238), inserindo-se, portanto, na finalidade da norma que é a proteção dos
interesses difusos e coletivos ou individuais homogêneos.
Passo à análise do mérito.
O pedido merece provimento.
De fato, ao julgar a extradição de Cesare Battisti – processo nº 1085 -, de autoria
do Governo italiano, o Supremo Tribunal Federal deferiu o pedido, porém, entendeu que caberia
ao Presidente da República um juízo discricionário em executá-la, ou não, o que culminou com a
concessão de permanência deste no país, não obstante estivesse em situação totalmente
irregular.
No referido julgamento, o STF entendeu ser possível a extradição, considerando
que os crimes cometidos pelo estrangeiro em seu país, pelos quais foi condenado, são crimes
comuns e não políticos, não se justificando a concessão de refúgio aqui no Brasil, visto que se
trata de mera resistência do réu à necessidade de execução das penas.
A propósito, transcrevo o respectivo acórdão, verbis:
EMENTA: 1. EXTRADIÇÃO. Passiva. Refúgio ao extraditando. Fato excludente
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do pedido. Concessão no curso do processo, pelo Ministro da Justiça, em recurso
administrativo. Ato administrativo vinculado. Questão sobre sua existência
jurídica, validade e eficácia. Cognição oficial ou provocada, no julgamento da
causa, a título de preliminar de mérito. Admissibilidade. Desnecessidade de
ajuizamento de mandado de segurança ou outro remédio jurídico, para esse fim,
Questão conhecida. Votos vencidos. Alcance do art. 102, inc. I, alínea “g”, da CF.
Aplicação do art. 3º do CPC. Questão sobre existência jurídica, validez e eficácia
de ato administrativo que conceda refúgio ao extraditando é matéria preliminar
inerente à cognição do mérito do processo de extradição e, como tal, deve ser
conhecida de ofício ou mediante provocação de interessado jurídico na causa.
2.EXTRADIÇÃO. Passiva. Refúgio ao extraditando. Concessão no curso do
processo, pelo Ministro da Justiça. Ato administrativo vinculado. Não
correspondência entre os motivos declarados e o suporte fático da hipótese legal
invocada como causa autorizadora da concessão de refúgio. Contraste, ademais,
com norma legal proibitiva do reconhecimento dessa condição. Nulidade absoluta
pronunciada. Ineficácia jurídica conseqüente. Preliminar acolhida. Votos vencidos.
Inteligência dos arts. 1º, inc. I, e 3º, inc. III, da Lei nº 9.474/97, art. 1-F do Decreto
nº 50.215/61 (Estatuto dos Refugiados), art. 1º, inc. I, da Lei nº 8.072/90, art. 168,
§ único, do CC, e art. 5º, inc. XL, da CF. Eventual nulidade absoluta do ato
administrativo que concede refúgio ao extraditando deve ser pronunciada,
mediante provocação ou de ofício, no processo de extradição.
3. EXTRADIÇÃO. Passiva. Crime político. Não caracterização. Quatro
homicídios qualificados, cometidos por membro de organização
revolucionária clandestina. Prática sob império e normalidade institucional
de Estado Democrático de direito, sem conotação de reação legítima contra
atos arbitrários ou tirânicos. Carência de motivação política. Crimes
comuns configurados. Preliminar rejeitada. Voto vencido. Não configura
crime político, para fim de obstar a acolhimento de pedido de extradição,
homicídio praticado por membro de organização revolucionária clandestina,
em plena normalidade institucional de Estado Democrático de direito, sem
nenhum propósito político imediato ou conotação de reação legítima a
regime opressivo.
4. EXTRADIÇÃO. Passiva. Executória. Pedido fundado em sentenças
definitivas condenatórias por quatro homicídios. Crimes comuns. Refúgio
concedido ao extraditando. Decisão administrativa baseada em motivação
formal de justo receio de perseguição política. Inconsistência. Sentenças
proferidas em processos que respeitaram todas as garantias
constitucionais do réu. Ausência absoluta de prova de risco atual de
perseguição. Mera resistência à necessidade de execução das penas.
Preliminar repelida. Voto vencido. Interpretação do art. 1º, inc. I, da Lei nº
9.474/97. Aplicação do item 56 do Manual do Alto Comissariado das Nações
Unidas – ACNUR. Não caracteriza a hipótese legal de concessão de refúgio,
consistente em fundado receio de perseguição política, o pedido de extradição
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para regular execução de sentenças definitivas de condenação por crimes
comuns, proferidas com observância do devido processo legal, quando não há
prova de nenhum fato capaz de justificar receio atual de desrespeito às garantias
constitucionais do condenado.
5. EXTRADIÇÃO. Pedido. Instrução. Documentos vazados em língua estrangeira.
Autenticidade não contestada. Tradução algo deficiente. Possibilidade, porém, de
ampla compreensão. Defesa exercida em plenitude. Defeito irrelevante. Nulidade
inexistente. Preliminar repelida. Precedentes. Inteligência do art. 80, § 1º, da Lei
nº 6.815/80. Eventual deficiência na tradução dos documentos que, vazados em
língua estrangeira, instruem o pedido de extradição, não o torna inepto, se não
compromete a plena compreensão dos textos e o exercício do direito de defesa.
6. EXTRADIÇÃO. Passiva. Executória. Extensão da cognição do Supremo
Tribunal Federal. Princípio legal da chamada contenciosidade limitada. Amplitude
das questões oponíveis pela defesa. Restrição às matérias de identidade da
pessoa reclamada, defeito formal da documentação apresentada e ilegalidade da
extradição. Questões conexas sobre a natureza do delito, dupla tipicidade e duplo
grau de punibilidade. Impossibilidade conseqüente de apreciação do valor das
provas e de rejulgamento da causa em que se deu a condenação. Interpretação
dos arts. 77, 78 e 85, § 1º, da Lei nº 6.815/80. Não constitui objeto cognoscível de
defesa, no processo de extradição passiva executória, alegação de insuficiência
das provas ou injustiça da sentença cuja condenação é o fundamento do pedido.
7. EXTRADIÇÃO. Julgamento. Votação. Causa que envolve questões
constitucionais por natureza. Voto necessário do Ministro Presidente do Supremo
Tribunal Federal. Preliminar rejeitada. Precedentes. O Ministro Presidente do
Supremo Tribunal Federal tem sempre voto no julgamento dos processos de
extradição.
8. EXTRADIÇÃO. Passiva. Executória. Deferimento do pedido. Execução.
Entrega do extraditando ao Estado requerente. Submissão absoluta ou
discricionariedade do Presidente da República quanto à eficácia do acórdão
do Supremo Tribunal Federal. Não reconhecimento. Obrigação apenas de agir
nos termos do Tratado celebrado com o Estado requerente. Resultado
proclamado à vista de quatro votos que declaravam obrigatória a entrega do
extraditando e de um voto que se limitava a exigir observância do Tratado. Quatro
votos vencidos que davam pelo caráter discricionário do ato do Presidente da
República. Decretada a extradição pelo Supremo Tribunal Federal, deve o
Presidente da República observar os termos do Tratado celebrado com o Estado
requerente, quanto à entrega do extraditando.
Em conseqüência, tendo o Presidente da República decidido pela não extradição, e
com a finalidade de regularizar a situação jurídica da estada do estrangeiro no país, o Conselho
Nacional de Imigração lhe concedeu o direito de permanência, fundamentado na situação especial
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do caso, com base na resolução normativa nº 27/98, verbis:
Resolução Normativa nº 27, de 25 de novembro de 1998
Disciplina a avaliação de situações especiais e casos omissos pelo Conselho
Nacional de Imigração.
O CONSELHO NACIONAL DE IMIGRAÇÃO, instituído pela Lei nº 8.490, de 19
de novembro de 1992, no uso das atribuições que lhe confere o Decreto nº 840,
de 22 de junho de 1993, resolve:
Art. 1º Serão submetidas ao Conselho Nacional de Imigração as situações
especiais e os casos omissos, a partir de análise individual.
§ 1º Serão consideradas como situações especiais aquelas que, embora não
estejam expressamente definidas nas Resoluções do Conselho Nacional de
Imigração, possuam elementos que permitam considerá-las satisfatórias para a
obtenção do visto ou permanência.
Cumpre registrar, primeiramente, que o poder normativo das resoluções assim
como dos decretos, na qualidade de normas de hierarquia inferior, não pode disciplinar matéria
reservada à lei, ou seja, extrapolar os limites da reserva legal e, assim, não podem inovar no
ordenamento jurídico, criando situações jurídicas não previstas em lei.
Por certo, quando o dispositivo supracitado se refere a situações especiais se
restringe àquelas que se apresentam em perfeita consonância com a lei. Não se admitindo, como,
no caso, que tenha o condão de transmutar em legal e legítima situação que contraria
frontalmente comando legal expresso. Assim, se o Estatuto do Estrangeiro – Lei 6.815/80, art. 7º
-, impede a concessão de visto a estrangeiro condenado em outro país por crime doloso, à toda
evidência, essa imposição não poderá ser ultrapassa e mesmo olvidada sob a alegação de estar
abrigada em Resolução, no caso em comento, a Resolução Normativa nº 27/98, que conforme
dito, sendo norma de caráter inferior, não tem aptidão jurídica para se sobrepor à norma de
hierarquia superior.
De fato, no caso concreto, tal como afirmado pelo autor, o ato do Conselho
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Nacional de Imigração -CNI que concedeu a Cesare Battisti, visto de permanência definitiva no
Brasil, contrariou norma de observância obrigatória, qual seja, a lei nº 6.815/80, que estipula em
seu art. 7º, que não se concederá visto a estrangeiro condenado ou processado em outro país por
crime doloso (o que foi expressamente reconhecido pelo STF), passível de extradição segundo a
lei brasileira.
A propósito, transcrevo o referido dispositivo:
Art. 7º Não se concederá visto ao estrangeiro:
IV – condenado ou processado em outro país por crime doloso, passível de
extradição segundo a lei brasileira; ou
Por outro lado, o Estatuto do Estrangeiro (lei 6.815/80), dispõe em seus arts. 57 e
58 o seguinte:
Art. 57. Nos casos de entrada ou estada irregular de estrangeiro, se este não se
retirar voluntariamente do território nacional no prazo fixado em Regulamento,
será promovida sua deportação. (Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81)
§ 1º Será igualmente deportado o estrangeiro que infringir o disposto nos artigos
21, § 2º, 24, 37, § 2º, 98 a 101, §§ 1º ou 2º do artigo 104 ou artigo 105.
§ 2º Desde que conveniente aos interesses nacionais, a deportação far-se-á
independentemente da fixação do prazo de que trata o caput deste artigo.
Art. 58. A deportação consistirá na saída compulsória do estrangeiro.
(Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81)
Parágrafo único. A deportação far-se-á para o país da nacionalidade ou de
procedência do estrangeiro, ou para outro que consinta em recebê-lo.
Aplica-se ao presente caso os dispositivos legais ora transcritos, vez que, além de
existir óbice legal à concessão de permanência do estrangeiro no Brasil – condenação em outro
país por crime doloso passível de extradição segundo a lei brasileira -, a situação se amolda à
hipótese de deportação, em face da situação irregular em que se encontra.
Relevante observar, que conforme bem ressaltado na inicial, os institutos da
deportação e da extradição não se confundem, pois a deportação não implica em afronta à
decisão do Presidente da República de não extradição, visto que não é necessária a entrega do
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estrangeiro ao seu país de nacionalidade, no caso a Itália, podendo ser para o país de
procedência ou outro que consinta em recebê-lo (parágrafo único do art. 58, antes transcrito).
Tem-se, assim, que a discussão sobre a natureza jurídica do ato que confere a
permanência do estrangeiro no país não reabre a questão já decidida pela Suprema Corte, que
conferiu tal discricionariedade ao Presidente da República, pois esta foi no sentido de não
execução da extradição, ou seja, na não entrega de Cesare Battisti ao Governo italiano, enquanto
que o que se busca com a presente demanda é a deportação.
De fato, não tem a menor pertinência a alegação da União no sentido de que, in
casu, não se trata de concessão de visto, mas de permanência uma vez que o estrangeiro já
ingressou no país, pois o disposto nos artigos 4º e 5º no Estatuto do Estrangeiro – lei nº 6.815/80
– e seu decreto regulamentados, visam normatizar a permanência de qualquer estrangeiro no
Brasil, seja a que título for.
Nestes termos, verbis:
Lei 6.815/90
Art. 4º Ao estrangeiro que pretenda entrar no território nacional poderá ser
concedido visto:
I – de trânsito;
II – de turista;
III – temporário;
IV – permanente;
V – de cortesia;
VI – oficial; e
VII – diplomático.
Parágrafo único. O visto é individual e sua concessão poderá estender-se a
dependentes legais, observado o disposto no artigo 7º.
Art. 5º Serão fixados em regulamento os requisitos para a obtenção dos vistos de
entrada previstos nesta Lei.
Decreto nº 86715/81
Art . 2º – A admissão do estrangeiro no território nacional far-se-á mediante a
concessão de visto:
I – de trânsito;
II – de turista;
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19/12/2006.
A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 49778263400210.
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PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL
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III – temporário;
IV – permanente;
V – de cortesia;
VI – oficial; e
VII – diplomático.
§ 1º – Os vistos serão concedidos no exterior, pelas Missões diplomáticas,
Repartições consulares de carreira, Vice-Consulados e, quando autorizados pela
Secretaria de Estado das Relações Exteriores, pelos Consulados honorários.
§ 2º – A Repartição consular de carreira, o Vice-Consulado e o Consulado
honorário somente poderão conceder visto de cortesia, oficial e diplomático,
quando autorizados pela Secretaria de Estado das Relações Exteriores.
§ 3º – No caso de suspensão de relações diplomáticas e consulares, os vistos de
entrada no Brasil poderão ser concedidos por Missão diplomática ou Repartição
consular do país encarregado dos interesses brasileiros.
Ademais, a hipótese não se enquadra nos casos excepcionais referidos no Decreto
840/93, cujo art. 1º ora transcrevo, nem tampouco na Resolução Normativa nº 27/1997, já
transcrita anteriormente.
Art. 1° Ao Conselho Nacional de Imigração, órgão de deliberação coletiva,
integrante do Ministério do Trabalho, nos termos da Lei n° 8.490, de 19 de
novembro de 1992, compete:
VII – dirimir as dúvidas e solucionar os casos omissos, no que diz respeito a
imigrantes;
No presente caso, trata-se, na verdade, de estrangeiro em situação irregular no
Brasil, e que por ser criminoso condenado em seu país de origem por crime doloso, não tem o
direito de aqui permanecer, e portanto, não faz jus à obtenção nem de visto nem de permanência.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO para declarar nulo o ato de
concessão de permanência de Cesare Battisti no Brasil e determinar à União que implemente o
procedimento de deportação aplicável ao caso.
Sem custas e honorários advocatícios.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
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Brasília, 26 de fevereiro de 2015
ADVERCI RATES MENDES DE ABREU
Juíza Federal Titular da 20ª Vara/DF
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