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SANTA CATARINA – Debate virtual encerra as comemorações dos 30 anos do ECA no MPSC

A segunda live em comemoração aos 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) promovida pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) foi rica em história e levou ânimo aos milhares de atores que participaram da aprovação do estatuto e que hoje, passadas três décadas, ainda lutam pela efetiva aplicação dessa legislação, a qual instaurou um novo paradigma em relação aos direitos infantojuvenis. Com a participação de grandes nomes da construção do ECA e de protagonistas do momento atual, a live durou pouco mais de duas horas e destacou todas as conquistas do ECA, desde a sua implementação, e apontou caminhos para que os registros de violação dos direitos de crianças de adolescentes diminuam ainda mais (assista abaixo à live na íntegra).

As duas lives que ocorreram no canal do MPSC no YouTube – esta do dia 27 e outra no dia 13, dia de aniversário do ECA – foram organizadas pelo Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CIJ) do MPSC, em parceria com a Federação Catarinense de Municípios (FECAM) e com o Instituto Federal Catarinense (IFC). Nos dois debates virtuais, integralmente traduzidos por intérpretes de Libras, houve a parceria dos três Ministérios Públicos da região Sul, que, juntos, apresentaram para a sociedade resultados de melhorias em indicadores sociais e, além disso, incentivaram o diálogo para tornar ainda mais efetiva a construção do ECA.

De 1990 para cá, as crianças e adolescentes ganharam um grande grupo de aliados estratégicos na promoção e defesa dos seus direitos, tais como o Ministério Público, que possui órgãos especializados na área da infância e juventude. Por meio da criação de políticas públicas, esse grande movimento fez com que as crianças em situação de maior vulnerabilidade social e econômica em seus primeiros anos de vida passassem a ter mais chances de sobreviver, vivendo em lares com patamares de renda um pouco maiores e com mais acesso à escola.

A “vez e a voz” das crianças e adolescentes

O professor e pesquisador Benedito Rodrigues dos Santos, associado ao Núcleo de Infância e Juventude (NEIJ) do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (CEAM) da Universidade de Brasília (UnB), Diretor Executivo do Instituto dos Direitos da Criança e do Adolescente (INDICA) e consultor de longa duração do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF/Brasil) e da Childhood Brasil, recentemente foi homenageado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na comemoração dos 30 anos do ECA, foi o primeiro palestrante da live. Com a propriedade de ter sido um dos redatores do ECA, ele relatou a história de luta até a aprovação do estatuto.

“Só muito mais tarde na história da humanidade as crianças adquiriram o direito de ter direitos. Nós passamos por um momento em que havia só a soberania paterna, um momento em que o Estado começou a se interessar pelas crianças não no sentido de sujeito, mas no de objeto, e nós chegamos finalmente ao modo dos direitos da criança associado à ação emancipatória”, explica Santos.

Segundo ele, a criação do ECA foi possível graças a sinergias no processo constituinte da legislação – uma conjunção histórica advinda com o século da universalização dos direitos da criança e do adolescente, com a crítica (acadêmica e ativista) de um século de intervenções do Estado na política de bem-estar do menor, com a construção de novos movimentos sociais, em especial o de defesa dos direitos da criança e do adolescente, e, por fim, com a redemocratização do país, um processo constituinte e uma nova legislatura no Congresso Nacional com parlamentares identificados com a justiça social.

No encerramento da fala, o professor exibiu um trecho de documentário que relata um momento histórico do país, em 1989, quando aconteceu em Brasília o II Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua. Nele, cerca de 750 crianças de rua de todo o Brasil e de outros dez países latino-americanos ocuparam o Plenário do Congresso Nacional e fizeram uma votação simbólica de aprovação do ECA.

Depois de uma série de audiências públicas, o projeto de lei foi votado e aprovado pelo Senado em 25 de abril de 1990. Recebeu a aprovação da Câmara em 28 de junho e foi homologado pelo Senado no dia seguinte. Sancionado pelo presidente da República em 13 de julho de 1990, o ECA entrou em vigor em 14 de outubro do mesmo ano.

Em seguida, o outro palestrante da live, o Procurador de Justiça no Ministério Público e Paraná (MPPR) Murillo José Digiácomo, mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, especialista em Direito Civil e Direito do Trabalho e professor de Direito da Criança e do Adolescente da Escola Superior do MP e da Escola Superior da Magistratura, reforçou o histórico da mobilização dos jovens que levou ao Estatuto da Criança e do Adolescente. No entanto, fez a seguinte pergunta às mais de cem pessoas que acompanhavam a live: por que nós não estimulamos que eles ocupem esse espaço que já está à sua disposição para poder continuar tal protagonismo?

“Preparar a pessoa para exercer a sua cidadania e ser cidadão não é só votar a cada quatro anos; é justamente lutar pelos seus direitos, conhecer os seus deveres e fazer com que os jovens de alguma forma se mobilizem, que digam o que justamente eles querem de nós num plano coletivo, que participem das reuniões do Conselho de Direito e da Câmara Municipal, que levem suas propostas, porque eles sabem melhor do que nós e melhor do que qualquer técnico ou burocrata o que é melhor para eles”, explica.

Porta-voz de minorias aproximou passado e presente

Foi com esse intuito de promover uma escuta ativa para podermos aprender com as crianças e adolescentes e, ao mesmo tempo, proporcionar-lhes o conhecimento de toda essa trajetória que a coordenadora da live, a Promotora de Justiça Helen Crystine Corrêa Sanches, abriu o evento com a apresentação musical da cantora, compositora e assistente social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Dandara Manoela.

Porta-voz das tradições culturais afro-brasileiras, a jovem Dandara revela em suas letras realidades como o abuso sexual infantojuvenil. “Quero ver quem vai tirar / a dor e a cicatriz. / Quero ver quem vai limpar / a sujeira do infeliz. Isso eu quero ver passar. / Passar longe daqui / e tranquila respirar. / Força pra poder seguir” é apenas um trecho da letra-denúncia cantada na live.

Após a apresentação de Dandara, Sanches tratou da importância de discutir temas que foram grandes desafios para implementação do ECA. “A arte nos humaniza, e a gente espera também que, através da arte e de músicas com essa conotação social, a gente possa cada vez mais chamar a atenção das pessoas para problemas tão graves como os índices de homicídios de jovens e adolescentes negros e o abuso sexual”.

Na sequência da apresentação musical, foi exibido um documentário com relatos dos Procuradores de Justiça Olympio de Sá Sotto Maior Neto (MPPR), Gercino Gerson Gomes Neto (MPSC) e Afonso Armando Konzer (MPRS). Os três são referências na área até hoje e estiveram entre os principais atores da implementação do ECA nos seus estados logo depois da aprovação.

A mobilização da rede de proteção é fundamental para o avanço do ECA

Cientes de que o assunto não se finda e de que a constante troca de ideias é fundamental para a implementação do ECA, os participantes da live deixaram para os espectadores a mensagem de que o Estatuto está em permanente construção e de que os avanços dependem de uma participação efetiva de toda a sociedade.

Digiácomo afirmou que o Estatuto não é uma lei estática e destacou a importância do trabalho em rede. “Outras leis complementam o estatuto para que nós possamos ir colocando em prática aquela sua proposta de transformação, e uma das questões com que nós temos que trabalhar é justamente a implementação da rede de proteção”, explica.

No mesmo sentido, a coordenadora do evento falou que precisamos capacitar, formar e cada vez mais atuar em rede. Segundo Sanches, esse é o desafio. “Já avançamos muito. O Estatuto foi uma mudança de paradigma. Precisamos tirá-lo do papel e transformá-lo em realidade cada vez mais”.

Tal entendimento, somado ao protagonismo infantojuvenil mencionado anteriormente, vem corroborar com Digiácomo. “A educação transforma as pessoas e as pessoas transformam o mundo. Eu acredito nisso, e o Estatuto prega a transformação. Nós precisamos preparar os nossos jovens e os profissionais das diversas áreas para que eles possam se engajar de corpo e alma nesse processo de transformação”, conclui.

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