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PARANÁ – Crimes contra a vida – Saiba como é feito um julgamento

Levado às telas de cinema em inúmeros filmes que o tornaram célebre, o Tribunal do Júri desperta a curiosidade de muitas pessoas que têm interesse em conhecer como funciona o sistema em que pessoas comuns da sociedade, não especialistas em Direito, decidem a sentença de acusados de crimes graves. Previsto na Constituição Federal de 1988 e regulamentado pelo Código de Processo Penal, o Tribunal do Júri é bastante antigo no Brasil, tendo sido criado em 1822 e previsto constitucionalmente pela primeira vez em 1824. Durante todo o ano de 2016, foram realizados cerca de 1,3 mil júris no Paraná, sendo 242 somente em Curitiba. No primeiro semestre deste ano, em todo o estado, ocorreram 600 júris.

O promotor de Justiça Paulo Sergio Markowicz de Lima, titular da 2ª promotoria do júri de Curitiba, explica as razões históricas para o seu surgimento. “A participação popular na Justiça ocorre desde a Grécia antiga. Mas, na modernidade, o Tribunal do Júri surge como uma forma de participação popular no Judiciário, tendo tomado corpo a partir de reações ao absolutismo e à concentração do poder nas mãos de poucos, como na figura de um monarca ou mesmo das oligarquias, o que impedia a participação das demais estratos da sociedade na tomada de decisões”.

Crimes contra a vida – Mas quais são os crimes julgados pelo Tribunal do Júri? Somente aqueles que se caracterizam como dolosos contra a vida, ou seja, em que o autor possui a deliberada intenção de cometê-lo, ou que assumiu o risco de produzir a morte (dolo eventual), sejam eles tentados ou consumados. De acordo com a legislação brasileira, são eles: homicídio, infanticídio, aborto e induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio. Paulo Markowicz explica as razões para tal definição. “São crimes de gravidade sensível e que afetam sobremaneira a sociedade, atingindo-a em seu bem mais valioso, que é a vida. E daí a importância de que a própria comunidade decida se determinada conduta deve resultar ou não na perda da liberdade de uma pessoa”.

Composição – O Tribunal do Júri é composto por um juiz que o preside e sete jurados que compõem o Conselho de Sentença, escolhidos entre um grupo de 25 pessoas previamente convocadas pela Justiça. Para o cadastramento dos jurados, o juiz-presidente de cada comarca elabora, anualmente, uma lista com nomes de pessoas que podem ser convocadas para participarem dos julgamentos. A relação é composta por nomes indicados por autoridades locais, órgãos públicos, associações de classe e de bairro, instituições de ensino, entre outros, mediante solicitação da Justiça. Na foto ao lado, o Tribunal do Júri em Curitiba.

Podem participar do Tribunal do Júri os maiores de 18 anos, que não tenham antecedentes criminais e estejam em dia com suas obrigações eleitorais e no gozo de seus direitos políticos. O número de jurados cadastrados varia de acordo com a população de cada localidade. Nas comarcas com mais de 1 milhão de habitantes, são alistados pelo presidente do Tribunal do Júri de 800 a 1,5 mil jurados; naquelas com mais de 10 mil habitantes, de 300 a 700, e nas de menor população, de 80 a 400 pessoas são cadastradas anualmente. A relação dos jurados é publicada pela Justiça no mês de outubro de cada ano.

Para garantir a isenção das decisões, a legislação elenca algumas situações de impedimento. Não podem participar do mesmo conselho de sentença: marido e mulher, ascendente e descendente, sogro e genro ou nora, irmãos e cunhados, tio e sobrinho e padrasto, madrasta e enteado. Também fica impedido quem tenha manifestado prévia disposição para condenar ou absolver o condenado e, ainda, que tenha trabalhado como jurado em outro julgamento do mesmo processo (por exemplo, em caso de mais de um réu com julgamentos separados ou novo julgamento de um mesmo caso).

Diferente de outros países, onde a decisão ocorre mediante discussão e deliberação conjunta entre os jurados, no Brasil os integrantes do Conselho de Sentença não se comunicam entre si e, ao final das exposições da promotoria e da defesa, manifestam sua decisão individualmente e em sigilo, escolhendo cédulas contendo as palavras “sim” e “não”, sendo a decisão computada pela maioria dos votos (respostas) às perguntas feitas pelo juiz.

A procuradora de Justiça Lucia Inez Giacomitti Andrich, que atuou por 14 anos no Tribunal do Júri de Curitiba, sendo a primeira mulher a ser designada para tal função na capital, destaca a responsabilidade da decisão dos jurados. “É uma responsabilidade muito grande. Em um tempo relativamente curto, o jurado escuta argumentos contrários e favoráveis à condenação e à absolvição do réu e toma a decisão, considerando também seus próprios valores e convicções”, comentou. A mesma avaliação é feita por Paulo Markowicz. “Por exemplo, um jurado cujo parente cumpriu pena por um crime poderá ser condescendente com o réu. Mas, como no júri temos sete pessoas, há uma dissociação de idiossincrasias e experiências pessoais, existindo maior probabilidade de um julgamento mais imparcial”.

O promotor de Justiça Ricardo Alves Domingues, que atua na 11ª Promotoria de Justiça de Londrina, destaca a importância e a repercussão dos julgamentos feitos por cidadãos comuns, especialmente nas cidades distantes dos grandes centros. “Os crimes dolosos contra a vida abalam a tranquilidade das pequenas cidades e o júri popular permite que os próprios cidadãos participem ativamente das decisões judiciais referentes aos crimes cometidos. Desse modo, o Tribunal do Júri contribui decisivamente para a promoção da segurança pública nas pequenas comunidades”, afirmou.

Última palavra – Outra característica do Tribunal do Júri está relacionada ao princípio da soberania das votações, o que significa que a decisão dos jurados é a última palavra sobre a condenação ou absolvição do acusado. As únicas situações que podem motivar a anulação de um julgamento ocorrem quando há um descumprimento de alguma regra processual – como, por exemplo, a utilização pela promotoria ou pela defesa de uma prova que não estava integrada antecipadamente ao processo – ou quando a decisão do conselho de sentença é manifestamente contrária à prova dos autos. Sobre a última hipótese, o promotor de Justiça, Paulo Markowicz de Lima, exemplifica: “Foi o que ocorreu, por exemplo, no primeiro júri, que durou 34 dias e aconteceu em 1998, do caso do menino Evandro Ramos Caetano. Naquela ocasião, mesmo com laudos que comprovavam que o corpo era de Evandro Ramos Caetano, morto em um ritual de magia negra em 7 de abril de 1992, os jurados votaram pela absolvição por entenderem que o corpo não era da criança”. O Ministério Público recorreu da decisão do Conselho de Sentença e o Tribunal de Justiça anulou o julgamento porque os jurados não poderiam ter desconsiderado uma prova técnica feita com base em exame de DNA e arcada dentária. No segundo júri, os jurados rejeitaram a tese da defesa de negativa da identidade do corpo da criança e decidiram pela condenação.

Atuação do MP – Como o Ministério Público dá início ao processo, cabe-lhe provar a ocorrência de um crime e a autoria dele. No entanto, o promotor de Justiça Paulo Markowicz pondera que, ainda que predominantemente seja de acusação o papel do MP, a condenação do réu não é buscada a qualquer custo, devendo o promotor de Justiça garantir o efetivo cumprimento da lei. “A função do promotor no Tribunal do Juri é de verdadeiro defensor da sociedade, o que inclui, inclusive, o próprio acusado. Por isso, existem casos em que se comprova no processo que o réu agiu em legítima defesa ou, que as provas de que ele é o autor do crime são insuficientes. Nesses casos, é dever do promotor pedir a absolvição”. O papel da instituição nesses casos é também ressaltado por Lucia Inez Andrich. “Somos os fiscais da lei e nosso desafio é conjugarmos os aspectos legais com o que a sociedade pensa. E como o acusado é também parte da sociedade, seus direitos devem ser igualmente defendidos por nós. Não é porque representamos a sociedade que devemos ir sempre contra o réu”, finalizou.

A imprevisibilidade da decisão dos jurados é um dos desafios impostos à atuação dos promotores em processos que vão a júri popular. “O promotor deve estar atento não apenas ao processo tal como consta nos autos, mas conhecer a sociedade em que está inserido. Isso porque, além de ter as provas constantes do processo, é preciso convencer os jurados da tese sustentada”, avalia a procuradora de Justiça Lucia Inez Andrich.

Todas as 162 comarcas do estado do Paraná possuem um Tribunal do Júri e, aproximadamente, 300 promotores de Justiça atuam nesses julgamentos.

 

Clique aqui e confira como funciona um julgamento feito pelo Tribunal do Júri.

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