II Congresso do CNPG inicia debates e reúne autoridades no Rio de Janeiro
Teve início, nesta segunda-feira (28/10), o II Congresso do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG), no salão de convenções da Fundação Getulio Vargas (FGV), em Botafogo, zona Sul do Rio de Janeiro, com o tema “Perspectivas do Sistema de Justiça na Era Digital”. Durante a abertura do evento, foi realizada uma homenagem ao procurador de Justiça aposentado e atual secretário de Relações Institucionais e Defesa de Prerrogativas do MPRJ, Marfan Martins Vieira.
O procurador-geral de Justiça, Luciano Mattos, presidente de honra do evento, participou da mesa de abertura, ao lado do governador do Estado do Rio de Janeiro, Claudio Castro; do presidente do CNPG e procurador-geral de Justiça do Estado de Minas Gerais (MPMG), Jarbas Soares Júnior; do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Mauro Campbell; do corregedor nacional do Ministério Público, Ângelo Fabiano Farias; do presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP), Tarcísio Bonfim; do presidente da FGV, Carlos Ivan Simonsen Leal; dos conselheiros do CNMP, Ivana Cei, Fernando Comin, Moacyr Rey Filho, Jaime de Cassio Miranda; Paulo Passos e Antonio Edilio; do conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), João Paulo Santos Schoucair; e do presidente da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, Carlos Caiado.
“É uma alegria muito grande ter o Rio de Janeiro sediando mais um evento dessa magnitude e de extrema importância para a instituição. Cada vez mais buscamos aprofundar os temas necessários ao Ministério Público, discutindo nossas estratégias institucionais para que se tenha um olhar de resolutividade e buscando cada vez mais a eficiência”, ressaltou Luciano Mattos.
Jarbas Soares abriu o congresso destacando a importância do evento para o compartilhamento de conhecimentos e experiências, tendo como um dos objetivos estimular a discussão sobre a atuação institucional frente às transformações.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, palestrou sobre o tema “Perspectivas do Sistema de Justiça na era digital”, destacando a criação pelo STF da Plataforma Digital do Poder Judiciário, tendo Jarbas Soares Júnior como presidente de mesa. Em seguida, foi apresentado o painel “Atuação do Ministério Público nos Tribunais Superiores e a tutela da probidade administrativa”, com a participação do promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Pará e ex-presidente da Conamp, Manoel Murrieta como presidente de mesa; do procurador de Justiça do MPRJ, Marcus Leal, e da promotora de Justiça do MPRJ Cristiane do Nascimento Ferreira, como relatores, e do consultor jurídico do MPRJ e da Conamp, Emerson Garcia, e do ministro Mauro Campbel como palestrantes, falando respectivamente sobre os temas “A defesa da probidade administrativa pelo Ministério Público nos Tribunais Superiores” e “A legitimidade autônoma dos Ministérios Públicos perante os Tribunais Superiores”. Campbell destacou que, a partir de um recurso do MPRJ, os MPs estaduais passaram a atuar diretamente no STJ.
Destaques do turno da tarde
O ministro do STJ, Benedito Gonçalves, falou por videoconferência sobre a criação do Acordo de Não Persecução Cível. “O acordo não deve ser visto como um afrouxamento das ações, mas como uma recomposição do patrimônio público de forma ágil e eficiente, e como uma devolução célere de valores indevidamente apropriados, com salvaguardas previstas na legislação para permitir que a lei seja adotada de forma adequada, garantindo efetividade processual e eficiência na recomposição. E para garantir o controle jurisdicional do acordo, o MP deve atuar diligentemente, verificando se há a real disposição do investigado em reparar. Manejada com responsabilidade, esta é uma ferramenta primordial para a tutela do patrimônio público, cabendo aos operadores do Direito assegurar que o interesse público permaneça acima de toda e qualquer consideração”, disse o ministro.
Primeiro da tarde, o painel “Novos horizontes no projeto de atualização do Código Civil” teve como presidente a PGJ do Rio Grande do Norte, Elaine Cardoso, e a participação na mesa das promotoras de Justiça do MPRJ, Carolina Senra, coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Cíveis e de Tutela Coletiva da Pessoa com Deficiência (CAO Cível e Pessoa com Deficiência/MPRJ), e Elisa Macedo, coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção ao Idoso (CAO Idoso/MPRJ).
Ex-desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo e uma das relatoras do anteprojeto de lei de Reforma do Código Civil, Rosa Maria de Andrade Nery falou sobre responsabilidade civil. “A responsabilidade civil é marcada por fatos, e fatos reclamam a teoria do risco. Temos um problema de identificação de qual sistema abordar na responsabilidade civil e de que maneira abordamos a tipicidade. Um fato não pressupõe vínculo entre as pessoas e temos uma série de dificuldades para chegar à concepção do que é responsabilidade civil. Se há dano, há necessidade de indenizar e se avança sobre o patrimônio de alguém, que não necessariamente é a mesma pessoa. A atividade nefasta tem o objetivo de atingir fins ilicitos e é na conduta que se vê o desvio e se o mesmo gera dano e responsabilidade. O dano é a marca da ilicitude”, destacou.
Na segunda palestra do painel, o professor de Direito Civil e integrante da Comissão de Reforma do Código Civil, Carlos Eduardo Pianovski, detalhou algumas mudanças propostas pela reforma no âmbito do Direito de Família e de Sucessões. “O objetivo da Reforma é atender a doutrina. Já é de longa data o entendimento consolidado pelos tribunais superiores de que união estável não se dá somente entre pessoas de sexos distintos. E o anteprojeto cristaliza isso no âmbito normativo. Além disso, o anteprojeto elimina a figura da separação legal e requisitos temporais para o divórcio, e traz a possibilidade da completa extrajudicialização do divórcio consensual, com atuação do MP se constatar que o acordo não preserva os direitos dos filhos menores. A proposta também traz a possibilidade de divórcio unilateral e a ampla liberdade para escolha de regime de bens entre os casais”, ressaltou.
O segundo painel da parte da tarde, presidido pelo PGJ do Distrito Federal, Georges Seigneur, teve como tema “Precedentes Penais e Direitos das Vítimas” e contou com a presença na mesa da procuradora de Justiça Carla Araújo, coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (CAO Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher/MPRJ) e da promotora de Justiça Simone Sibilio.
Abrindo o painel, a promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Mato Grosso (MPMT), Marcelle Costa e Faria, falou sobre o controle de convencionalidade na perspectiva das vítimas. “O MP tem que defender a integração dos tratados internacionais de Direitos Humanos ao ordenamento jurídico brasileiro. Uma decisão de Corte Superior tem status superior a uma súmula vinculante. As Convenções vieram ao mundo pós-fascismo e pós atrocidades da Segunda Guerra para limitar os estados na violação dos Direitos Humanos, tutelando a vítima e não o violador. Infelizmente, o mundo começou a discutir direito de vítima pós-guerra e o Brasil começa a discutir só agora. Estamos atrasados na aplicação do direito internacional e o protagonista desse debate deve ser o MP, com o objetivo de repreender a conduta violadora”, destacou.
O secretário de Governo da Prefeitura do Rio de Janeiro e ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, lembrou em sua palestra sobre as dificuldades do Estado brasileiro em garantir os direitos das vítimas. “Na história da nossa caminhada civilizatória, os advogados atendem, diariamente, vítimas. Consigo enxergar avanços na garantia dos direitos das vítimas, como direito à informação, o direito à participação, à gratuidade e à assistência jurídica, o direito à proteção e ao tratamento profissional individualizado. Mas temos, por exemplo, uma situação conflagrada no Rio de Janeiro e nenhum de nós ignora o caráter de vítimas da violência urbana e à violação dos direitos das pessoas. Por isso, precisamos celebrar o papel do MPRJ no combate às construções irregulares, através da Força-Tarefa criada pelo procurador-geral de Justiça”, afirmou.
Ana Tereza Ribeiro Salles Giacomini, coordenadora do Centro Estadual de Apoio às Vítimas do MPMG, falou sobre o papel do MP na promoção desses direitos. “É preciso um olhar diferenciado, pois estamos em uma era de resgate dos direitos fundamentais e da dignidade das vítimas. E o MP é a instituição talhada para isso e que vai conseguir trazer essa atuação em prol das vítimas da forma que é necessária. Nós deveríamos escutá-las muito mais do que nós mesmos falamos. O que fazemos na condução dos casos importa para as pessoas. Uma justiça que não se importa com as vítimas não é necessária. Se falamos em garantir os direitos das vítimas, não podemos nos esquecer que os processos têm que se prestar para a garantia desses direitos”, ressaltou.
Último painel do primeiro dia
O PGJ da Bahia, Pedro Maia Souza Marques, presidiu o último painel do dia “Paradigma da Consensualidade e o Tratamento Adequado de Conflitos”, que contou com a presença da procuradora de Justiça do MPRJ Patrícia Carvão, coordenadora-geral de Promoção da Dignidade da Pessoa Humana do MPRJ, e da promotora de Justiça Isabela Jourdan, coordenadora do Núcleo de Investigação das Promotorias de Justiça de Investigação Penal do MPRJ
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Primeiro a falar, o ministro do STJ Rogério Schietti destacou os aspectos gerais dos processos penais. “Eu sempre tenho refletido muito sobre a forma como evoluímos no Poder Judiciário e no Direito e ainda precisamos avançar muito na percepção penal. O processo penal, desde que se inicia, está relativamente bem, é o mesmo praticado nos países desenvolvidos. Mas ainda estamos muito atrasados na execução penal e em termos de investigação. Basicamente, o que ainda temos hoje é a tomada de depoimentos e nada mais se faz após isso. Quando se trata de roubo, geralmente se tem um reconhecimento por parte da vítima. O nosso inquérito precisa se modernizar. O que a população espera do sistema de Justiça é um serviço de melhor qualidade. Se a prova não for apoiada em dados objetivos, então, não é uma boa prova. Nós precisamos de provas que indiquem claramente a autoria do crime, para evitar uma condenação ou uma absolvição injusta. Não há como reparar esse tipo de erro e temos meios tecnológicos seguros para obter a prova de um crime sem a colaboração do investigado. Se queremos um processo penal robusto e respeito aos direitos dos cidadãos, é urgente que a investigação preliminar não seja divorciada da Constituição”, afirmou o ministro.
A procuradora regional do Trabalho do Ministério Público do Trabalho nos Estados do Pará e do Amapá (MPT-PA/AP), Gisele Santos Fernandes, abordou o tratamento dos conflitos no sistema de Justiça. “Precisamos nos ressignificar para implementarmos valores que visualizamos como adequados. Qual vai ser o papel do MP nesse cenário complexo? Precisamos reforçar a atuação resolutiva do MP, com equipes multiprofissionais e parcerias interinstitucionais. O ‘eu’ não consegue mais resolver as demandas, não é suficiente. Estamos falando de um país que precisa de muita coisa. Não estamos afastando o Judiciário, mas é necessário atuar em parceria. O modelo resolutivo é mais do que necessário. Temos que imaginar quem são as partes interessadas e imaginar cenários de acordos, mudando a atuação. Temos que atuar para tentar aplicar níveis de autocomposição, dando maior transparência para a sociedade. Precisamos pensar além, no bem coletivo, e não só focar em conquistas individuais. Precisamos crescer com o olhar de um novo MP, pensando que sozinhos não iremos resolver todos os problemas com os quais lidamos”, destacou.
Gregório Assagra de Almeida, procurador de Justiça aposentado do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG), falou sobre a consensualidade na tutela dos direitos coletivos. “Existe um dever de resolução consensual geral por força do preâmbulo da Constituição e dos princípios que regem as relações internacionais do Brasil, priorizando a solução pacificada. Porém, nem sempre nós vamos verificar que a solução consensual é a mais recomendada, e isso não pode ser uma escolha subjetiva. Este é um tema que está em processo de consolidação e exige um tratamento adequado, identificando situações que causam a morosidade do sistema Judiciário. O acordo sempre deve ser produto de uma negociação legítima e não de uma imposição, trazendo para a mesa todos os representantes das partes afetadas, sempre observando o direito da igualdade e não trazendo discriminação negativa. Essa é uma escolha que deve ser qualificada, sempre buscando o melhor tratamento para os litígios. Tudo deve ser avaliado dentro dos casos concretos”, ressaltou Gregório.
Já o advogado Bruno Calfat dissertou sobre a resolução de conflitos sob a ótica do Código de Processo Civil nos tribunais superiores. “Temos vários casos em que os tribunais locais buscam fixar uma tese que está consolidada, mas nos quais atravessamos dificuldade imensa até que a tese possa ser uniformizada e vinculante, evitando impactos terríveis em temas como o saneamento básico, em que há um desafio de implementação no prazo que a lei preconiza e permitindo que se dê concretude à universalização do serviço, por exemplo, o que foi um desafio imenso no Rio de Janeiro. O interesse público deve ser o bem jurídico mais importante a ser tutelado pelo sistema de Justiça”, afirmou.