ENCERRAMENTO:
Veja debates do turno da tarde
O primeiro painel da parte da tarde “A Justiça na era digital: IA, governança, segurança da informação e proteção de dados” foi presidido pelo PGJ do Estado de Roraima, Fábio Stica, e teve como integrantes da mesa o procurador de Justiça do MPRJ, Guilherme Magalhães Martins, assessor do Gabinete do Procurador-Geral de Justiça; e o promotor de Justiça do MPRJ João Alfredo Gentil Gibson Fernandes, subcoordenador da Coordenadoria de Movimentação dos Promotores de Justiça.
A juíza do Tribunal Regional Federal da 2 Região (TRF2), Caroline Somesom Tauk, tratou em sua palestra da inteligência artificial no sistema de Justiça. “Ainda estamos muito longe de colocar máquinas para substituir o trabalho humano no sistema de Justiça. No Judiciário, hoje, nós temos sistemas administrativos, os chamados chatbots, para ajudar os jurisdicionados. Um outro grupo mais avançado apoia a gestão dos gabinetes, fazendo classificação e triagem de processos. Eles não redigem nada de novo, não criam decisões. Apenas fazem o que os próprios servidores fariam manualmente. E, por fim, existe um grupo de sistemas que facilita a redação das minutas, indicando se existe ou não repercussão geral em recursos, por exemplo. E temos sistemas que facilitam identificar prescrição em procedimentos tributários, identificar gratuidade de justiça, mas não são utilizados para o mérito. No âmbito criminal não existem no Judiciário sistemas que auxiliem diretamente em casos de reincidência, condenação ou absolvição de réu, porque existe a chamada discriminação algorítmica, quando os sistemas podem causar algum tipo de discriminação por questões de raça ou sexo, por exemplo. E temos hoje um movimento no CNJ para regulamentar o uso da IA generativa, que tem como um exemplo o ChatGbt. A minuta de resolução sugere que os juízes possam usar a IA generativa desde que o tribunal habilite esse uso, sendo a IA treinada especificamente para o respectivo tribunal”, destacou a magistrada.
Conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Moacyr Rey Filho falou sobre o futuro do MP com o advento da inteligência artificial. “Hoje, se não entrassem processos novos no Judiciário, a estimativa seria de que demoraria cerca de dois anos e cinco meses para que todos os processos pendentes no sistema de Justiça fossem julgados. Por isso, temos que pensar em propostas como o MP Digital, que será lançado em breve, para transformar o MP brasileiro, deixando-o completamente na nuvem e integrado, sob a lógica da plataformização dos dados existentes. Precisamos investir na automação da produção cognitiva. O MPDFT hoje desenvolve um sistema de análise de relatórios de risco de violência doméstica para identificar padrões de feminicídios e tentar evitar que os fatos ocorram, ou seja, podemos utilizar a IA para auxiliar nesta e em outras questões relacionadas à atividade do MP. A IA também pode ajudar no ganho de eficiência e produtividade, na melhoria do custo e do tempo investidos em tarefas repetitivas, utilizando este tempo para pensar estrategicamente em atuações de alto impacto. A IA vem para potencializar as capacidades humanas e não para substituí-las”, afirmou Moacyr.
O procurador da República João Paulo Lordelo falou sobre o tema “Constitucionalismo digital e o devido processo legal”, trazendo a experiência do Ministério Público Federal (MPF) para o debate. “O Brasil não tem uma disciplina normativa sobre diversos temas relacionados à conexão em rede, em uma sociedade em que já não é possível separar os ambientes online e offline. Existe o uso de IA no setor público e uma intensa delegação de funções públicas que não podem ficar à margem do MP. As big techs têm exercido poderes transfronteiriços e a ideia do constitucionalismo digital é de que o exercício de poder de rede tem que ser disciplinado. O MP tem o papel de fiscalizar o exercício da liberdade de expressão nos termos da lei, mas também de assegurar aos usuários dos serviços digitais os direitos mínimos. Existe uma discussão muito grande na Europa sobre a proteção de dados pessoais, mas o que é feito com a inferência desse dados? Corporações decidem com base em dados criados pelas big techs, o que é muito sensível, tornando o serviço de proteção bem menor. Essa é uma realidade muito complexa e que a legislação não acompanha. Por isso, a importância do papel do MP no controle para salvaguardar garantias fundamentais no mundo atual”, ressaltou.
Fechando o painel, o advogado Fábio Medina Osório discorreu sobre a revolução digital e seus impactos nos direitos fundamentais. “A partir da revolução tecnológica com a IA, que se compara à criação da eletricidade, novas perspectivas se abrem a partir das estratégias que serão utilizadas pelo MP. O papel do MP brasileiro perpassa alguns desafios como, por exemplo, a redefinição de atribuições e prioridades a partir da utilização estratégica de estatísticas com uso de IA. E isso passará pela otimização de recursos humanos e incremento das novas tecnologias, uma prestação de serviços mais qualificada, direcionamento de investigações e prioridades de trabalho, desburocratizando o trabalho do MP e seguindo uma tendência de tornar sua atuação menos burocrática, com foco em resultados, em especial utilizando-se de soluções extrajudiciais. Outra alternativa é a Resolução Alternativa de Conflitos, com métodos de mediação, arbitragem e negociação para resolver conflitos fora do Judiciário. Além disso, a Ia vai permitir a medição de resultados dos trabalhos do MP, agregando maior transparência e visibilidade aos resultados, estimulando a meritocracia e criando parâmetros nacionais, ajudando o MP a justificar sua importância e defender suas prerrogativas”, disse o advogado.
Luciano Mattos preside segunda mesa
No segundo painel da tarde, o debate em torno do tema “Processo estrutural e a efetivação dos direitos socioeconômicos” foi presidido pelo procurador-geral de Justiça, Luciano Mattos, e teve as presenças na mesa das promotoras de Justiça Simone Rocha de Araújo e Joana Fernandes Machado, assistentes da Assessoria de Atribuição Originária Cível e Institucional do MPRJ.
A promotora de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), Susana Henriques da Costa, falou sobre o tratamento adequado dos litígios estruturais pelo MP. “O Judiciário já reconheceu que há legitimidade na sua intervenção, em caso de violação de direitos, dentro dos limites do processo estrutural. O MP precisa acompanhar e monitorar a decisão estruturante. É preciso pensar em uma reformulação do seu modo de atuação, atuando estrategicamente, a partir de diagnósticos e de forma planejada. Nossa atuação é muito menos formal do que a atuação do Judiciário. E um desafio que devemos enfrentar é a participação dos grupos sociais representados, entendendo os anseios da coletividade envolvida na causa. Existe uma necessidade de aproximação. Outro desafio é a busca pelo conhecimento especializado, atuando com planejamento e organização de maneira integrada, pensando estrategicamente como atuar e rompendo as barreiras do diálogo”, destacou Susana.
Humberto Dalla, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, discorreu sobre processos estruturais e a resolução consensual dos conflitos. “Nesse momento, em que se discute um anteprojeto de lei dos processos estruturantes, me parece que precisaremos criar uma nova ferramenta. Um processo estruturante é muito mais complexo que uma ACP. Recentemente, a juíza Trícia Navarro escreveu um texto propondo se examinar todas as possibilidades de convenções de natureza processual, aumentando o grau de democratização do processo coletivo e estrutural, conjugando técnicas autocompositivas e a busca do melhor Juízo e do melhor local para se produzir a prova. Temos que buscar a conjugação de força para a melhor solução possível do caso concreto. E, de qualquer perspectiva que se olhe a questão, o MP terá posição de protagonismo, sobretudo nos direitos difusos e coletivos. Qualquer tentativa de acordo deverá contar com a anuência do MP. Isso vai trazer mais segurança jurídica, sabendo que haverá uma sentença homologatória e uma estabilização em torno daquela questão. A via consensual leva à possibilidade de se remover obstáculos que possam vir a surgir no momento da execução”, afirmou.
Fechando o painel, Fabiano Dallazen, diretor de Relações Institucionais da Aegea, falou sobre medidas estruturais e o controle de políticas públicas de saneamento básico. “Na base dos direitos fundamentais dos cidadãos há a infraestrutura, essencial para a garantia destes direitos. E cada real investido em saneamento básico significa a economia de quatro reais em gastos com saúde. Metade da população brasileira não tem acesso à coleta e ao tratamento de esgoto, com todas as consequências que isso traz em termos de saúde e de proteção ambiental. Além disso, 40% da água tratada no país é perdida antes de chegar às residências e 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada. Essa é uma realidade que atinge, principalmente, os mais vulneráveis. Então, é muito importante que possamos fomentar essa política pública tão importante, que é a universalização do saneamento básico no país. O Novo Marco Legal do Saneamento determina que 99% da população deve ter acesso à água potável e 90% deve ter acesso à coleta e tratamento de esgoto até 2033. Esse é um investimento que tem que ser feito, estabelecendo tarifas sociais às camadas mais vulneráveis. Por isso, precisamos de processos estruturais que não falhem para que a política pública seja bem executada”, disse.
Luciano Mattos destacou a importância da discussão dos temas abordados no painel. “Durante minha gestão na Amperj, acredito ter deixado como legado a realização de um seminário com a participação da sociedade civil e um dos temas era Urbanismo e Segurança Pública. E a segurança é um tema que exige várias frentes de discussão e ação, tendo hoje o MPRJ realizado um trabalho belíssimo, com o GAECO/MPRJ e a CSI/MPRJ, que foi a prisão de uma grande liderança do crime organizado. Desejo de público externar meus elogios a essa atuação. Na questão da ADPF 635 também; temos uma equipe muito qualificada no GTT-ADPF 635 e no CAO Investigação Penal. Este é um tema clássico de processo estrutural, e hoje o processo caminha para julgamento com uma manifestação final do MPRJ, que exigiu muito esforço. Foi criado um plantão 24 horas para comunicação de abusos, nós somos comunicados de toda operação em até 24 horas, e normalmente concomitantemente à operação, e temos um grupo especializado apenas para cumprir as determinações da ADPF. Também produzimos programas para absorver as informações e um dos painéis que desenvolvemos permitiu apresentar ao Supremo, com dados, que o número de operações aumentou e a letalidade reduziu. A ADPF deve ser vista como um marco para efetivar alguns instrumentos que fortalecem a atuação do MP no controle externo da atividade policial e o MPRJ, desde o início, seguiu o tratamento técnico da questão, baseado em dados e na ciência”, afirmou o PGJ.
Carta do Rio de Janeiro é divulgada
Encerrando o II Congresso do CNPG, Luciano Mattos e Jarbas Soares Júnior assinaram a “Carta do Rio de Janeiro”, com propostas de atuação resolutiva, eficiente e integrada entre todos os MPs do país, dividida em quatro enunciados: Sistema de Justiça digital: inteligência artificial, governança digital, proteção de dados e enfrentamento da criminalidade por meios informáticos; Estado de Direito Ecologicamente Sustentável, mudanças climáticas e gestão adequada de desastres socioambientais e litígios estruturais; Promoção integral dos direitos das vítimas; e Atuação perante as Cortes Superiores e fortalecimento da cultura de precedentes. A Carta foi lida aos presentes pela subprocuradora-geral de Justiça de Planejamento e Políticas Institucionais do MPRJ, Ediléa Cesario, e pela subprocuradora-geral de Justiça de Assuntos Cíveis e Institucionais do MPRJ, Ana Cristina Lesqueves.
“Gostaria de parabenizar o CNPG e o doutor Jarbas Soares Júnior que, nestes seis meses de gestão, tem se dedicado ao crescimento da instituição, trazendo toda a sua experiência como PGJ e como conselheiro do CNMP. O evento foi um sucesso e toda a dinâmica nestes dias de debates deram origem à Carta. Tivemos diversos debates em torno da unidade institucional e conclamamos a união do MP brasileiro em torno do mais importante na nossa atuação, que é a defesa dos interesses da sociedade”, afirmou Luciano Mattos.
O presidente do CNPG destacou a homenagem prestada a Marfan Martins Vieira durante o encontro. “Marfan sempre foi uma inspiração para todos nós e é uma honra para o CNPG chegarmos ao final de um Congresso em sua homenagem. O CNPG é uma pedra preciosa, órgão mais representativo do MP brasileiro, e um despertar para essa pedra são os nossos encontros. O MP pode produzir muito mais, pois temos gente preparada para todos os temas e isso foi demonstrado neste Congresso. E percebemos aqui, também, o reconhecimento enorme do trabalho que o MP tem feito. Nós participamos, na semana passada, do maior acordo da história moderna, em Mariana, trabalhando junto com o MPF. E temos um mundo de oportunidades como, por exemplo, na autocomposição de conflitos, para evoluir a nossa atuação”, afirmou em seu discurso de encerramento, Jarbas Soares Júnior.