PARÁ: MP consegue a condenação de executores e mandantes de crimes no campo
No Pará onde a impunidade campeia em crimes com motivações ligadas a luta pela terra as condenações de mandantes e executores desses crimes se constituem em vitórias expressivas das instituições que atuam na área da Justiça.
Os mortos pelo latifúndio, entre 1964 e 2011, passam de 2 mil, com escassos casos de assassinos e mandantes julgados e condenados.
Nessa área o Ministério Público do Estado do Pará, por meio do seu promotor de Justiça do Tribunal do Júri Edson Augusto Cardoso de Souza, tem produzido diversas vitórias em prol da sociedade levando a condenação dos mandantes e executores de crimes que chocaram a sociedade e, em especial o meio rural paraense.
O promotor de Justiça Edson Cardoso atuou ao longo de sua carreira em júris nos municípios de Xinguara, Redenção, Tucumã, São Felix do Xingu e Ourilândia, áreas historicamente aonde há concentração de conflitos agrários, fundiários e madeireiros.
Edson Cardoso teve também atuação relevante em quatro júris de grande repercussão nacional e internacional: julgamento do assassino do deputado João Batista, crime motivado por questões de conflitos agrários; dos sindicalistas e irmãos João, Paulo e José Canuto assassinados em 1985 e 1990 respectivamente; do também sindicalista Expedito Ribeiro, todos motivados por questões de conflitos fundiários e agrários e; do caso da Irmã Dorothy Stang assassinada a mando de madeireiros e latifundiários na Transamazônica região do Xingu, no qual também havia motivação de conflitos agrários e da luta pelo acesso a terra.
Nove júris no caso Dorothy
No caso Dorothy o mais recente, encerrado na semana passada, o promotor Edson Cardoso atuou em nove júris: quatro no julgamento de Vitalmiro Bastos,o Bida; dois no de Raifran das Neves Sales; um no de Regivaldo Farias, o Taradão; um no Clodoaldo Carlos Batista e, um no de Amair Feijoli da Cunha, o Tato.
No caso do assassinato da Irmã Dorothy Stang mais uma vez a eficiente atuação do promotor de Justiça Edson Cardoso levou a condenação do mandante do crime.
O fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, foi condenado em seu 4º julgamento a 30 anos de prisão na quinta (19) em júri realizado em Belém por ter mandado matar, em fevereiro de 2005, a missionária americana Dorothy Stang.
Os outros condenados foram os pistoleiros e executores Clodoaldo Carlos Batista e Raifran das Neves Sales, além de Amair Feijoli da Cunha – o Tato, este intermediário do assassinato da missionária americana Dorothy Stang, que continua cumprindo a pena de 28 anos de prisão no presídio de Americano, na região metropolitana de Belém.
Casos João Batista, Canuto e Expedito
O deputado João Batista (PSB) foi assassinado em 1988, em pleno exercício do mandato na capital Belém, os sindicalistas e irmãos Canuto em Rio Maria sul do Pará nos anos de 95 e 90 e, o sindicalista Expedito em Marabá, em 91 no sudeste paraense, todos com conotações políticas motivadas pela luta pela terra.
O promotor de Justiça Edson Cardoso conseguiu no caso do deputado João Batista a condenação do pistoleiro Péricles Ribeiro Moreira, o “Pelha” que era irmão do deputado Penaldon (PSC) do Maranhão. Péricles cumpriu prisão pela execução encomendada da morte do deputado estadual João Batista (PSB). O crime ocorreu em dezembro de 1988, em Belém, quando a vítima chegava entrava em sua residência.
No caso dos irmãos Canuto crime ocorrido em 1985 vitimando João Canuto e 1990 vitimando os dois irmãos Paulo e José Canuto mais uma vez o promotor de Justiça Edson Cardoso – Tribunal do Júri conseguiu a condenação dos mandantes. Mas passaram-se 18 anos até que o assassinato fosse levado a julgamento.
Novamente a atuação do promotor Cardoso foi relevante e os mandantes do assassinato do sindicalista João Canuto de Oliveira foram condenados, o ex-prefeito da cidade de Rio Maria (PA) Adilson Carvalho Laranjeira teve pena de 20 de reclusão junto com o fazendeiro Vantuir Gonçalves de Paula, também condenado. Dois cinco réus apenas dois foram condenados.
Esse caso levou o Brasil à condenação, em abril de 1998, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).
No assassinato do sindicalista Expedito Ribeiro de Souza, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria, crime ocorrido em fevereiro de 1991, o promotor Edson Cardoso atuou novamente com desenvoltura e levou ao banco dos réus o fazendeiro e pecuarista Jerônimo Alves de Amorim e a sua condenação como mandante do crime.
Presos e condenados também o contratado para a execução do serviço, o pistoleiro José Serafim Sales, o “Barrerito” e ainda o intermediário da execução Francisco de Assis Ferreira, conhecido pela alcunha de “Grilo”. O pistoleiro Serafim Sales foi condenado a 25 anos de prisão e o intermediário, Francisco Ferreira, a 21 anos de reclusão em regime fechado.
O fazendeiro Jerônimo Alves não compareceu aos julgamentos e a Justiça do Pará decretou novamente a sua custódia preventiva.Após muita pressão de movimentos sociais do Pará e entidades internacionais, o fazendeiro foi finalmente preso em novembro 99, na cidade de Cancun, no México, a bordo de um cruzeiro de luxo e portando documentos falsos.
Em 2000 em sessão histórica do Tribunal do Júri, com a atuação firme do promotor de Justiça Edson Cardoso em Belém, finalmente o fazendeiro Jerônimo Alves de Amorim foi condenado a 19 anos e meio de reclusão em regime fechado. Concluindo mais um ciclo de vitórias do MP no combate a impunidade e criminalidade no meio rural.
Entrevista com o promotor de Justiça Edson Cardoso sobre o 4º júri de Vitalmiro Bastos (Bida)
1) Qual o balanço que o senhor faz desse quarto julgamento do Bida? Qual o reflexo dessa condenação para a imagem do Ministério Público do Estado?
Passa uma imagem boa em decorrência dos acontecimentos anteriores. Quando o Vitalmiro Bastos (Bida) foi absolvido em um dos julgamentos foi o MP quem recorreu na 1ª instância e o Tribunal reverteu, julgando que a absolvição dele foi contrária às provas dos autos. O MP conseguiu reverter no 1º e 2º grau o resultado do júri. A imagem do MP ficou muito boa nesse sentido.
Além do empenho nosso na tribuna, houve empenho nas razões recursais, porque quando ele foi absolvido, o Ministério Público fez um recurso muito bem fundamentado, tanto que o Tribunal acatou o recurso e determinou a prisão do Bida.
2) O que foi determinante nesse julgamento para a condenação do réu?
Foi uma exposição lógica das provas e de ter ressaltado a motivação que havia por parte do Vitalmiro em querer matar a freira. Com relação à lógica dessas provas a que me referi, tudo o que foi apurado até o julgamento deles, no caso até o Amair Feijoli (Tato), tinha uma sequência lógica. O Rayfran e Clodoaldo dizendo que não iriam matar sem uma motivação e a motivação é financeira. O Tato no caso, deu em delação premiada os detalhes de como aconteceu o fato, e naquele momento da delação ele cita coisas que lá no inquérito o Rayfran já tinha dito, como por exemplo o encontro cinco dias antes da morte da Dorothy num posto de gasolina entre Tato e Bida. Isso foi se harmonizando.
A partir do momento em que há os julgamentos do Tato, Rayfran e Clodoaldo, começam no caso várias situações que não tinham lógica nenhuma, como por exemplo, o Tato voltar atrás na delação premiada, esse fato não guardou muita sintonia com as demais provas. Essa incoerência fez com que os jurados vissem que o que estava correto era aquilo que foi dito até o julgamento do Tato.
3) As provas da motivação são novas ou são as mesmas que já constavam no processo no passado?
Além das que já tinham no processo fomos atrás de mais outras. Por exemplo, todas as manifestações que a irmã Dorothy fez perante os órgãos públicos como Ibama, Polícia Federal, Incra, denunciando o comportamento do Vitalmiro e do Regivaldo Galvão. Eles foram denunciados por ela por devastação na floresta, por trabalho escravo, por fraudarem documentos. Foram diversas ações dela que fizeram, durante um ano, com que eles tivessem situações difíceis perante as autoridades públicas. Essa foi a motivação que eu vi para o homicídio.
4) O acusado ainda pode recorrer da sentença? O julgamento corre o risco de anulação?
Não. Ele pode recorrer em relação ao mérito. Dizer que foi um julgamento contrário às provas dos autos. É um recurso para o Tribunal de Justiça do Pará que eu acredito que dificilmente vá prosperar pelo fato de quando o Regivaldo ter sido condenado, também recorreu e o Tribunal não acatou o recurso dele. É o mesmo assunto, é o mesmo mérito, por isso acredito que o Tribunal vá no mesmo o sentido, o de não anular.
O documentário de mais de uma hora produzido por Daniel Junge, Henry Ansbascher e Nigel Noble para uma tv americana e narrado pelo ator basileiro Wagner Moura também foi decisivo, pois mostra os bastidores do julgamento, como por exemplo, na véspera do júri do Tato em que ele fez a delação premiada, o Clodoaldo também iria fazer depoimentos no mesmo sentido da delação premiada, porém, dentro da penitenciária ele foi barbaramente espancado para não vir ao julgamento. No dia do júri do Rayfran em que ele estava sendo defendido pelo Américo Leal e Eduardo Imbiriba. Ele também renunciou dizendo que não queria mais esses dois advogados porque disse textualmente no júri que queriam que eles defendessem o chefe, no caso o Bida, esse vídeo foi determinante para convencer os jurados. O vídeo foi editado (15 min) pelo Grupo de Atuação Especial no Combate às Organizações Criminosas (Gaeco) e utilizado no júri.
5) Quais os ganhos para a sociedade com essa condenação?
Os ganhos é que passa a sensação de que a justiça realmente funciona. É uma sensação de que não há essa impunidade como se diz, ou seja, o processo teve início, meio e fim. O que é o início? Lá ainda em Anapu e Pacajá teve o inquérito, instrução processual na comarca e teve desaforamento. Todos os réus já tiveram suas definições jurídicas. Todos estão sentenciados e condenados. Ainda temos o Regivaldo questionando a condenação, mas todos já foram julgados.
Texto principal: Edson Gillet, com informações dos jornalistas Carlos Mendes, Evandro Corrêa e da agência de notícias Brasil de Fato, Estadão e jornal O Liberal.
Entrevista: Edyr Falcão
Fotos: Assessoria de Imprensa do MP e Portal ORM