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“PEC-37: atentado à democracia”, leia artigo da promotora de Goiás, Alice Freire

A promotora de Justiça do Ministério Público de Goiás (MPGO), Alice de Almeida Freire publicou aritigo em que enumera e se baseia em argumentos em defesa da atividade de investigação criminal do MP Brasileiro. Veja na íntegra o artigo “PEC-37: atentado à democracia”:

Em meio aos recentes episódios da República que desencadearam importantes investigações pelo Ministério Público envolvendo agentes públicos ou políticos em crimes como de corrupção, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, tramita no Congresso Nacional, na contramão da direção do sentimento de esperança aflorado na população, e ao arrepio de toda a sociedade, a Proposta de Emenda Constitucional nº 37 que subtrai do Ministério Público o seu poder investigatório pela expressa previsão de que a polícia o deterá privativamente.

É certo que o texto constitucional vigente dotou o Ministério Público do poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, cabendo-lhe o acompanhamento de sua tramitação, poder decorrente das suas funções institucionais de titularidade exclusiva da ação penal pública e do controle externo da atividade policial. Atribuiu ao Ministério Público, portanto, o papel de protagonista da ação penal, mas não reservou à Polícia o monopólio da investigação, tanto que contemplou hipóteses para investigação por outros órgãos, a exemplo das promovidas pelas Comissões Parlamentares de Inquérito e pelo Banco Central, além da fiscalização de natureza contábil, financeira e orçamentária exercida pelo próprio Congresso Nacional, com o auxílio do Tribunal de Contas da União.

A Constituição prevê que o MP possa, ainda, desempenhar outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade (artigo 129, inciso IX, CF/88). Aplica-se aqui a lógica sintetizada na doutrina dos poderes implícitos, oriunda da Suprema Corte Americana (1819), pela qual o órgão a quem compete o mais, compete igualmente o menos. Quando a Carta Constitucional repartiu as atribuições de cada instituição, implicitamente disponibilizou os meios idôneos à execução dessas mesmas atribuições.

 Nos precisos termos do artigo 39, §5º, do Código de Processo Penal, o inquérito policial existe para subsidiar a propositura de eventual ação penal e não é essencial ao oferecimento da denúncia, desde que a peça acusatória esteja suficientemente fundamentada por documentos hábeis à caracterização da materialidade do crime e indícios suficientes de autoria.

Por deter o Ministério Público a titularidade da ação penal, pode colher provas à sua instrução, não exorbitando por isso suas atribuições constitucionais, nem usurpando a atribuição da Polícia Judiciária. Quando realiza diligências investigatórias, não quer a instituição substituir o papel da polícia. Investiga para a promoção da justiça, em casos estritamente necessários e excepcionais. Não há sobreposição de funções, mas tão somente deliberação para o esclarecimento de crimes que não são efetivamente apurados, em eficaz combate à impunidade.

Vários julgados já reconheceram a conveniência e a oportunidade da investigação criminal pelo MP nas circunstâncias de complementação de provas ou de gravidade da infração, incluindo decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Neste contexto de excepcionalidade, o Ministério Público dedicou-se à realização de trabalhos investigativos que contribuíram para a condenação de pessoas outrora imunes à aplicação da legislação penal, e o exemplo mais significativo de todo esse esforço resume-se na ação penal nº 470, conhecida por “processo do mensalão”.

Tudo sob o olhar do Conselho Nacional do Ministério Público, órgão de controle externo do Ministério Público, por meio da Resolução nº 13, de 2 de outubro de 2006, que regulamentou a investigação criminal no âmbito do MP brasileiro, disciplinando a instauração e tramitação desse tipo de procedimento.

O sistema idealizado na chamada PEC 37, o qual reserva ao Ministério Público as funções de mero repassador de provas e de espectador da investigação, traduz-se em evidente retrocesso, daí porque trata-se de proposta legislativa espúria. Na verdade, é uma proposta pela impunidade, um atentado à democracia.

“Proibir o Ministério Público de investigar… representaria subtrair-lhe de maneira incompreensível e irracional, os meios jurídicos necessários e imprescindíveis ao efetivo cumprimento de sua missão de persecução penal para a defesa dos bens penalmente tutelados, à segurança e à justiça” (Manual Nacional do Controle Externo da Atividade Policial – CNPG, 2009).

E a sociedade não pode ficar à margem desse debate. Deve buscar respostas às indagações: “A quem interessa retirar o poder de investigação do MP? Seria mais uma retaliação ao cumprimento de sua missão constitucional?” (Roberto Gurgel, PGR). Somente em países cuja democracia não seja plenamente consolidada, a situação é imaginada. Mostra disso, como já alardeado, são países como Uganda, Indonésia e Quênia. Ao Ministério Público, no Brasil, foi entregue a missão mais cara, a de guardião do regime democrático, especialmente, salvaguardando-lhe, a bem da sociedade, toda a autonomia e independência necessárias, sobretudo à defesa dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana.

Já tentaram “amordaçar” o MP há bem pouco tempo, agora querem “amputar” os seus “membros”, numa clara tentativa de retaliação e de enfraquecimento da instituição. Só esqueceram que a cobrança da fatura será imediatamente entregue à sociedade.

 

 

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