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SANTA CATARINA – No Dia Mundial de Combate aos Agrotóxicos, Fóruns Estaduais discutiram a dificuldade das pesquisas sobre os efeitos dessas substâncias na saúde e meio ambiente

O Seminário Sul Brasileiro Sobre Pesquisas Realizadas no Âmbito dos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos apresentou resultados de pesquisas em diversas áreas do conhecimento que demonstram a necessidade urgente de se buscar uma produção de alimentos sem a utilização de substâncias nocivas à saúde e ao meio ambiente. As discussões ocorreram de forma híbrida na sede do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), em Florianópolis, e transmitidas ao vivo pelo canal do FCCIAT no YouTube.

O Coordenador do Fórum Catarinense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos (FCCIAT), Promotor de Justiça Eduardo Paladino, lembrou que 3 de dezembro foi escolhido como o Dia Mundial de Combate aos Agrotóxicos como forma de não deixar a humanidade esquecer da tragédia de Bhopal, na Índia, que matou mais de 20 mil pessoas e deixou outras 500 mil doentes quando uma fábrica de pesticidas explodiu e contaminou a região em 1984.

Além de debater os impactos dos agrotóxicos, o dia também foi dedicado a discutir os obstáculos e ameaças enfrentados pelos pesquisadores que investigam os efeitos dessas substâncias na saúde humana e animal e ao meio ambiente.

Paladino destacou que o apoio à ciência também faz parte da atribuição de quem luta contra o uso abusivo dessas substâncias.

O seminário também reuniu os representantes dos fóruns estaduais do Rio Grande do Sul, do Paraná e de Santa Catarina, que fizeram os relatos dos trabalhos desenvolvidos durante o ano. “Por meio dos diálogos entre os fóruns estaduais, debatemos as dificuldades das pesquisas e reunimos forças e incentivos. As pesquisas são essenciais para fundamentar as leis que pretendem regulamentar e reduzir o uso dessas substâncias que contaminam nossos alimentos. São essenciais para a defesa da vida, da saúde e do meio ambiente”, destacou Paladino.

*União Europeia baniu agrotóxicos de seus países, mas é exportadora desses produtos*

Uma das pesquisadoras apresentou um relato sobre as pressões que sofrem os investigadores da área. Larissa Bombardi sofreu ataques por seu trabalho e afirmou que nunca antes havia sentido tanta pressão, inclusive no meio acadêmico. Paladino relembrou que, em duas ocasiões, o FCCIAT se manifestou em favor da pesquisadora, que hoje está trabalhando em Genebra, na Suíça: em 2019, com uma moção de apoio aos trabalhos dela e em 2021, com uma nota pública contra os ataques sofridos por Bombardi.

Segundo Bombardi, enquanto a União Europeia tem uma legislação rigorosa contra o uso de agrotóxicos em sua agropecuária, nada impede as indústrias europeias de exportarem para outros países as substâncias que não podem comercializar em suas terras. O Brasil é um dos principais mercados desses produtos, segundo ela. “A cada dois dias uma pessoa morre no Brasil contaminada por agrotóxicos. Os dados oficiais registram 56 mil doentes por ano, mas sabe-se que, para cada caso notificado oficialmente, 50 deixam de ser registrados: são, portanto, 2,8 milhões de doentes por ano e 30% são crianças e adolescentes, um verdadeiro infanticídio”, alerta a pesquisadora.

O presidente do Fórum Nacional de Combate aos Agrotóxicos, Subprocurador-Geral do Ministério Público do Trabalho, Pedro Serafim, defendeu uma mobilização por uma legislação mais rigorosa e contra as leis mais recentes que ampliam o número de substâncias liberadas e reduzem a carga tributária dos pesticidas, inclusive mudando a forma como devem ser chamados esses produtos: defensivos agrícolas. “São pesticidas, não defendem nada, são ‘cidas’, ou seja, matam”, sustentou.

Para Serafim, uma das consequências de termos uma legislação mais permissiva ao uso de agrotóxicos é justamente tornar o Brasil um mercado para essas substâncias, proibidas nos países de origem.

Produção agropecuária com agrotóxicos ameaça o abastecimento de água

Um exemplo de como isso repercute no nosso dia-a-dia, e mesmo quando não consumimos diretamente alimentos produzidos com o uso de agrotóxicos, foi demostrado em uma das palestras da manhã: “Algumas Implicações do Agronegócio no Brasil”, de Sonia Corina Hess, pós-doutora em Química e professora aposentada da UFSC.

A contaminação da água pelas substâncias nocivas à saúde decorrentes do uso indiscriminado de agrotóxicos na agropecuária foi pesquisada por Hess. Ela foi responsável pelos estudos encomendados pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) para o Programa Qualidade da Água.

Hess constatou a presença de agrotóxicos em níveis bem acima do que é tolerado na União Europeia nos mananciais de água que abastecem a população de 43 municípios catarinenses, entre os 88 pesquisados.

“Se fosse na União Europeia, apenas o município de Armazém teria água aprovada para o consumo humano”, destacou a pesquisadora, na sua palestra, em relação a um dos ingredientes ativos encontrados nas análises. Para ela, o maior problema é a legislação brasileira que, além de permitir o uso de substâncias na lavoura e na pecuária que já estão proibidas em outros países por serem comprovadamente nocivas à saúde animal e humana, ainda determina como limites aceitáveis de presença na água volumes bem maiores do que os aceitos nos países mais desenvolvidos.

Leonardo Melgarejo, representando a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Associação Brasileira de Agroecologia, apresentou o Dossiê contra o Pacote de Veneno e em Defesa da Vida, que analisa os impactos do PL 6299/2002, que, se for aprovado integralmente como proposto, permitiria, entre outras ameaças, segundo ele, que o Brasil passasse a produzir agrotóxicos que hoje são proibidos aqui, para exportar a outros países.

Para o pesquisador, é preciso que a sociedade tome consciência de que a produção de alimentos não é um sistema isolado e impacta em todos os setores da vida humana, nas áreas rurais e nas cidades. ¿A produção de soja é a grande responsável pela seca no rio Uruguai¿, exemplificou.

Contaminação pelos agrotóxicos começa bem antes do nascimento e prosseguem ao longo da vida

A saúde humana está exposta aos impactos dos agrotóxicos desde antes da concepção de um bebê e ao longo de toda a vida e os danos causados no organismo não dependem apenas da dosagem das substâncias tóxicas, mas, sim do tempo e da fase em que o corpo humano é exposto aos ingredientes ativos. Se fosse possível resumir em apenas uma frase as conclusões das pesquisas sobre agrotóxicos desenvolvidas nas últimas décadas em todo o mundo, essa seria a sentença, segundo a palestra apresentada pelo médico pneumologista e pesquisador do Centro de Informação e Assistência Toxicológica de Santa Catarina (CIATox/SC), da Universidade Federal de Santa Catarina, Pablo Moritz, logo no início do evento.

O médico faz parte de um grupo de pesquisadores que participam, desde 2015, dos estudos encomendados pelo Ministério da Saúde para elaborar as Diretrizes Brasileiras sobre a Exposição Crônica a Agrotóxicos. O documento está em fase de revisão, mas já gerou diversos artigos científicos publicados com as conclusões de diferentes trabalhos.

“Está comprovado que os bebês gerados por pais que foram expostos a agrotóxicos um ano antes da concepção da criança já sofrem os impactos das substâncias tóxicas”, anunciou Moritz. Segundo ele, as pesquisas demonstraram que mesmo os pais que moram em um raio de até dois quilômetros das áreas de aplicação de agrotóxicos ficam expostos à contaminação.

Entre as possíveis consequências da exposição às substâncias tóxicas aplicadas nas lavouras para o controle de pragas, explicou, estão o comprometimento do desenvolvimento neurológico, transtornos do espectro autista e transtornos do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).

As pesquisas comprovaram os impactos da exposição direta e mesmo indireta às substâncias nocivas à saúde presentes nos agrotóxicos em diferentes aspectos: em cânceres em adultos e crianças; na saúde dos trabalhadores agrícolas; alterações fisiológicas e reprodutivas no organismo feminino; e nas doenças mentais e neurológicas na infância.

O trabalho encomendado pelo Ministério da Saúde abrange, além dos agrotóxicos e pesticidas aplicados na agropecuária, as substâncias consideradas domésticas, usadas de forma amadora na jardinagem, e, também, os inseticidas utilizados pelas famílias, em suas residências, para evitar mosquitos baratas e outros insetos.

Para Moritz, esses produtos são liberados para o comércio com base na premissa de que podem ser consumidos dentro de um limite, considerado como dosagem segura. Isso, segundo ele, decorre de uma abordagem equivocada do problema – que não considera o tempo de exposição ao longo da vida da pessoa – e do financiamento das pesquisas, que sempre estiveram sob a responsabilidade da própria indústria produtora.

São estudos feitos nos anos 1980 e 1990, principalmente, explica o médico, quando o conhecimento sobre os agrotóxicos e as metodologias empregadas eram mais restritos. Moritz afirma que os impactos sobre a saúde, de qualquer substância, só podem ser avaliados com precisão ao longo de uma vida e até de gerações.

Hoje, salienta o pesquisador, já há dados e informações suficientes para se ter uma certeza: “Não existe dose segura, quando se fala em agrotóxico”, conclui Moritz.

No encerramento do seminário, o Coordenador Adjunto do FCCIAT, Vereador de Florianópolis,  Marcos José de Abreu (Marquito), explicou que o objetivo de eventos como este, que promove a difusão e o compartilhamento de experiências e conhecimento científico sobre uma questão que é pouco debatida, “reunir forças com todos os atores” que se preocupam em buscar soluções para reduzir os impactos do uso dos agrotóxicos, de maneira a ganhar cada batalha possível.

Você pode assistir às palestras, que têm duração média de 20 minutos, clicando nos títulos da programação abaixo.

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