O novo CPC nas relações internacionais
O novo CPC nas relações internacionais
Por Nadia de Araujo, Lidia Spitz e Carolina Noronha
Com sua recente aprovação pelo Congresso Nacional, sacramenta-se o impacto do novo Código de Processo Civil (CPC) em três áreas relevantes para as relações de caráter internacional: no que diz respeito à competência internacional, ao trazer uma norma clara e cogente sobre a eleição de foro; à cooperação jurídica internacional, ao delinear as regras para o cumprimento de cartas rogatórias e o auxílio direto; e ao sistema de homologação de decisões estrangeiras, ao incorporar a prática do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o reconhecimento e execução dessas decisões no ordenamento jurídico nacional.
O alcance da nova regulamentação processual é significativo, pois atingirá os processos em andamento em todos os tribunais nacionais, das instâncias superiores do Supremo Tribunal Federal (STF) e do STJ aos tribunais estaduais, federais e especializados. Além disso, na área dos negócios internacionais, essas modificações importarão em uma mudança de posição das empresas em suas negociações de novos contratos, pois será preciso avaliar o impacto das novas regras para as obrigações que tenham cunho internacional.
No que se refere à competência internacional, as regras gerais de delimitação da jurisdição permaneceram inalteradas, mas foram acrescidas de mais três hipóteses em que o juiz brasileiro pode julgar a causa: em matéria de alimentos, quando o credor for aqui domiciliado ou residente ou quando o réu mantiver vínculos no país; em se tratando de relação de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil; e, em qualquer caso, quando as partes optarem por se submeter à Justiça brasileira.
Agora as partes poderão afastar a Justiça brasileira por meio da eleição de foro estrangeiro em seus contratos
A grande novidade é a inclusão de um relevante permissivo: agora, é inconteste a possibilidade de as partes afastarem a competência da Justiça brasileira por meio da eleição de foro estrangeiro exclusivo em seus contratos. A inclusão de tal dispositivo representa um grande avanço. Até então, a possibilidade de a Justiça brasileira ceder ou não espaço a um foro estrangeiro escolhido pelas partes era objeto de controvérsias, adotando os tribunais um posicionamento vacilante, que ora aceitava a escolha das partes e ora decidia que as regras do artigo 88 não autorizavam o afastamento da atuação da Justiça nacional diante de uma das hipóteses de competência concorrente.
No que diz respeito à cooperação jurídica internacional, foi reconhecida a devida importância do tema, tendo o novo CPC reservado um capítulo específico para regular as cartas rogatórias e o auxílio direto. Em especial, esse último mecanismo de cooperação, ainda pouco explorado pelos operadores de direito, permite o cumprimento mais célere de medidas, sem que haja a intervenção do STJ. A troca de informação é conduzida mediante atuação da autoridade central brasileira, que se comunica diretamente com suas congêneres e demais órgãos no exterior.
Por fim, com relação às decisões estrangeiras, o CPC tratava do tema de forma lacônica, estabelecendo apenas a obrigatoriedade da homologação para que então surtissem efeitos no território nacional. As regras referentes à tramitação do processo e requisitos de reconhecimento, a par do que já dispunha a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, eram relegadas à legislação infralegal, constando do Regimento Interno do STJ, que recentemente veio a regular a matéria que era tratada até então na Resolução nº 9/05. Já o novo CPC traz artigos específicos, inspirados na experiência positiva adquirida pelo STJ ao longo desses dez anos em que assumiu a competência originária para processar e julgar decisões estrangeiras e cartas rogatórias. Dentre as novidades, destaca-se que a sentença estrangeira de divórcio consensual passará a produzir efeitos no Brasil independentemente de sua homologação.
A promulgação do novo CPC vem em boa hora e certamente contribuirá para uma maior segurança jurídica para as relações internacionais e de simplificação do dia a dia do cidadão que, por circunstâncias da vida, se veja envolvido em situações conectadas a mais de um ordenamento jurídico.
Nadia de Araujo, Lidia Spitz e Carolina Noronha são, respectivamente, doutora em direito internacional pela USP, mestre em direito comparado pela George Washington University e professora associada da PUC-Rio; mestre em direito internacional pela UERJ; graduada em direito pela UERJ, sócias de Nadia de Araujo Advogados
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.